quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

UTOPIA E OUTRAS VERDADES

Certa vez, um “minino”, ao ir embora para São Paulo, disse que Serrana era a Terra do Nunca. E que as crianças perdidas que viviam por aqui, já tinham feito a revolução e nem haviam percebido. O “minino” quando disse isso tinha algumas lágrimas no rosto e muita saudade no peito.
Quem diria que um dia, essa cidade do clima quente ensolarado e da fuligem de cana suspença no ar, viesse ser tão importante pra alguém. E que num gesto tão simples de ocupação, assim como quem entra num terreno baldio para levantar traves num campinho para brincar de bola todas as tardes, pudêssemos plantar sementes que brotariam flores amarelas e sorrisos.
No Parquim (nosso campinho), como todo final de ano, sentimos aquela sensação de fim de ciclo e de novos planos para o próximo ano. 2010, tão intenso para todos nós, terminou com o evento Natal e Outras Utopias. Um “ajuntaê” de gestos e manifestações: música, poesia, teatro, divertimentos e travessuras, amizade e confraternização.
Essa quarta edição da festa natalina do CECAC contou ainda com um gesto, podemos dizer assim... político intervencionista. No primeiro dia (sábado – 18/12), aconteceu a I Conferência Livre de Cultura de Serrana. As tais crianças perdidas cresceram e decidiram colocar o dedo na ferida, dando os primeiros passos para que tudo isso que foi feito no “Parquim”, com suor e lágrimas durante esses anos todos, não permanecesse como algo isolado, distante e irrelevante para uns tantos por aí. O deixar de ser inocente não significou necessariamente deixar de ser puro. A importância dessa conferência se deu pela articulação que o movimento cultural vem fomentando na cidade. A presença de coletivos do Circuito Fora-Do-Eixo foi magnífica. A mesa composta por Leo. Ricardo e Isis também. Assim como a presença de pontos de cultura, que criou um campo de discussão muito relevante para entender como respira a cultura em Serrana. Como resultado prático saiu a Carta de Serrana, com diretrizes para a cultura proposta por todos ali reunidos.
A utopia foi posta em discussão, e mesmo que tenhamos que fazer o arduo trabalho de descodificar o sistema fético que rege o matrix, ao entrar no “Parquim” e pisar na terra molhada novamente, entendemos que quanto mais vivenciamos a utopia, mais acreditamos que é no fazer, no simples sentimento da ação direta, que vive o real sentido de tudo. E por mais que partidos, governos e sistemas não consigam operar no código natural das coisas, não há nenhum sujeito nesse mundo que carregue consigo a insensibilidade congênita dos gestos coletivos tal qual vivemos nesse inesquecíveis anos e nesse final de semana.
E sentidos foram tantos nesses Natal. Na noite anterior, na então Noite Fora-Do-Eixo ao Extremo, quando a essência do rock deu as caras com o vigor da banda The Sams Hardcore Orchestra e o peso e velocidade da Necrofobia, entre as duas atrações roqueiras, Piolho proclamou poeticamente a necesidade do desencontro das palavras numa performance emocionante, com o público em completo silêncio externo e gritando por dentro.
O domingo, último dia do mini-festival, também foi carregado de significados reais. A chuva que caiu forte trouxe o cheiro de terra ao Parquim e com ele todo empenho do pessoal, que em pouco mais de uma hora, remanejou a logística do palco no mínimo umas cinco vezes. Com os braços coletivos sempre lá para o trabalho, por fim, o evento aconteceu meio dentro meio fora do prédio do CECAC.
Lá dentro, no estúdio, o recital dos alunos de música do projeto deu orgulho ao professor de violão e guitarra Nando, algo que era nítido em seus olhos (um mês de aula e lá estava a gurisada tocando diante de seus pais e amigos).
Lá fora, a parceria com outro movimento bairro, o Centro de Cultura Orùnmilá de Ribeirão Preto, foi um grande presente para todos nós. Trouxeram ao “palco” o grupo Família Pedra Negra, com suas canções cheias de ginga e poesia com verdades boas de se ouvir.
Lá dentro simultaneamente acontecia a oficina de teatro e estímulo realizada por Carol do coletivo Colmeia Cultura de Araraquara, muita gente participando.
Já tinha ido embora o holofote solar do Parquim, mas a última atração do evento estava se preparando para fechar o nosso Natal. Babi Jaques e os Sicilianos do Recife. Trajados de rubro-negro, fizeram sua apresentção recheada de emoção. Presente, para todos ali presentes. Babi com sua voz suave e poderosa, com sua cozinha perfeita e canções festivas, sensuais e delicadas, emocionou o público de Serrana pela segunda vez. Nesse momento, mesmo com pouca luz, estávamos lá com energia de moleque, dançando e saboreando aquela música maravilhosa.
O “feliz natal” foi dito por muitos ali, e em muitos corações incontidos, alegres e felizes, transbordava-se glórias e vitórias. Estranhamente a utopia passou por nossas mãos, dançou ao som mais extremo ao mais suave toque de valsa, e por mais que muitos queiram duvidar, não foi embora. E por mais que as cidades cinzas e os sistemas frios nos exija critérios para sermos o que somos, no fim das contas, é como namoro de criança mesmo, como “minino” com saudade ao ir embora ou o homem da lata nas praças. Assim, como no intusiasmo das garotas que foram correram fazer aquela oficina de teatro, o sorriso do professor de música quando viu o resultado do seu esforço manifesto nas mãos de suas alunas sobre as cordas, a cara de missão cumprida dos trabalhadores do evento e dos amigos visitantes que sentiram igualzinho tudo como nós, da resistência pacífica e alegre dos moleques do Parquim e dos amigos dos moleques que sempre chegam nos momentos mais importantes. O natal pode até ser uma utopia, mas nem tudo tem que ser dito em palavras rimadas e simétricas quando o simples gesto já se faz necessário para ser livre e feliz.

Ricardo B.

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